Estamos lá, naquela cela, por Marcos Rolim*
A corregedora da Polícia do Pará, senhora Liane Martins, encarregada de apurar a responsabilidade dos policiais pelo encarceramento de uma adolescente com mais de 20 homens, declarou não ver razões para demissões. Segundo ela, os policiais foram "induzidos a erro", porque a adolescente não revelou sua idade. Na entrevista (FSP, 6/12), a corregedora repetiu o chefe de Polícia, afirmando que a jovem tem "algum problema psíquico". Pois bem, a governadora do Pará poderia começar a limpeza em suas polícias, demitindo a corregedora e todos os policiais que trabalharam naquela delegacia e que nada fizeram para evitar a tragédia. Seriam atos importantes para a proteção do povo do Pará e em favor das polícias, instituições que não merecem ser freqüentadas por zeladores de estupro. O Poder Judiciário e o Ministério Público deveriam adotar a mesma medida, livrando-se, respectivamente, da juíza que permitiu a situação abusiva e dos promotores que teriam visitado a carceragem sem tomar qualquer providência.
Até aqui, estamos todos de acordo (está bem, quase todos...). O problema é que o caso é significativo demais para que a análise pare onde deveria começar. Via de regra, quando solicitamos com muita ênfase a punição dos responsáveis por algo que afronta nosso senso moral, o fazemos também para protestar nossa inocência. Assim, dizemos para nós mesmos: "Não somos responsáveis por isso". O mal, para variar, é aquilo que está fora de nós, ou, para lembrar Sartre, o "inferno são os outros". Em março deste ano, relatório preparado pela Pastoral Carcerária Nacional, pelo Centro de Justiça e Direito Internacional e pelo Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas foi apresentado à OEA, denunciando casos de abusos sexuais contra presas em cinco Estados brasileiros; inclusive, por agentes penitenciários. Você sabia disto? Aposto que não. Ocorre que quase toda a mídia brasileira simplesmente ignorou o relatório e nenhum veículo se deu ao trabalho de checar as denúncias. Aliás, vamos combinar, notícias sobre violação dos direitos humanos em presídios não são, exatamente, matéria de interesse no Brasil. Já o rebaixamento do Corinthians ou o último capítulo da novela das oito...
Agora imagine que não estivéssemos tratando do estupro de uma adolescente, mas da curra de um jovem de 18 anos, preso em uma galeria com outros 200 homens, no Presídio Central, em Porto Alegre. O fato despertaria a indignação de quantos brasileiros? Teríamos manchetes? Alguém estaria disposto a investigá-lo seriamente e a demitir os responsáveis? Pois bem, é sobre esta indiferença que o caso de Abaetetuba se tornou possível. Estamos naquela cela no Pará, então, de alguma forma. Todos nós.
PS - Em minha última crônica, lembrei que o nazista Goering considerava a idéia dos direitos humanos coisa de "afeminados". Alguns dias depois, o deputado Marcos Abrahão afirmou que o inspetor da ONU, Philip Alston, relator para o tema de execuções sumárias em diligências no RJ, só podia ser uma "bicha daquelas bem arrependidas". O deputado foi apontado como suspeito de ter sido mandante do assassinato do deputado Valdeci Paiva de Jesus, cuja morte permitiu que ele assumisse uma vaga na AL/RJ. Ex-policial militar, este cidadão teve 37 mil votos e avalia que, na próxima eleição, terá 100 mil eleitores. É bem possível.
Jornalista