O Uruguai acaba de se tornar o primeiro país da América Latina a permitir união de casais gays. Há pouco mais de um mês, seu Senado aprovou a despenalização do aborto. Tabaré Vázquez, presidente da República, anunciou que usará seu poder de veto se o projeto de legalização do aborto passar também pela Câmara dos Deputados.
A polêmica é considerada a mais acirrada desde a discussão sobre derrogação da lei de anistia que favoreceu militares após a ditadura no país. O debate público sobre aborto não é novidade no Uruguai, assim como no Brasil.
A legislação brasileira é uma das mais restritivas do mundo - só permite a interrupção da gravidez em caso de estupro ou risco de morte, o que resulta em abortos clandestinos e um problema de saúde pública generalizado. O debate no Congresso é hoje quase impossível, dado o profundo grau de conservadorismo das bancadas parlamentares. Há apenas três matérias tramitando no Senado e 19 na Câmara, sendo que sete tipificam o aborto como crime hediondo ou pedem revogação de direitos já garantidos e somente uma propõe a descriminalização total do aborto: o projeto de lei 1.135/91, congelado desde 1992.
O aborto é legalizado ou descriminalizado em 78% das nações desenvolvidas do mundo e somente em 19% das em desenvolvimento. Na América Latina, apenas três países permitem a prática por motivos sociais e econômicos. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, dos 46 milhões de abortos cometidos por ano no mundo, 4,2 milhões são realizados na América Latina e no Caribe. Seis mil resultam em morte da gestante em decorrência de complicações.
O debate sobre o aborto precisa seguir em frente. As objeções à legalização, geralmente de fundo religioso, devem ser respeitadas enquanto escolha ou livre opção, mas precisam ser situadas fora do debate político. Sendo laico, o Estado brasileiro deve discutir o tema como problema de saúde pública, não como questão moral. Respeitando a decisão da mulher sobre seu próprio corpo, estaremos no caminho de uma sociedade mais evoluída e igualitária. O Uruguai, correndo risco de ter a escolha de seu Senado vetada por um presidente que se diz progressista, deu um passo nessa direção. Para o Brasil, falta um pouco mais. Como dizia Albert Einstein, é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo. Só resta esperar que esse não seja tão difícil de se quebrar.
PATRÍCIA RANGEL é pesquisadora do Observatório Político Sul-Americano (OPSA), do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário