O aborto voltou a ser notícia nos jornais da semana passada. Foram três matérias. A primeira falava da autorização, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, da interrupção da gestação de um feto diagnosticado com encefalocele. A segunda referia-se à prisão de uma médica que praticava abortos havia mais de 20 anos. E a terceira – de página inteira – discutia a atuação, no Congresso Nacional, da Frente Parlamentar que quer proibir o aborto também em caso de estupro.
O que as três notícias têm em comum? Embora discuta um tema em que as protagonistas são mulheres, nenhuma mulher foi ouvida nas matérias.
No caso da notícia policial, isto nem seria esperado. Afinal, a médica presa por praticar abortos usando produto veterinário não estaria disposta a explicar um procedimento que praticou em nada menos do que dez mil mulheres – faturando, em 20 anos, um total superior a 9 milhões de reais (em moeda de hoje). "A polícia obteve 70 depoimentos, resultando num processo com quase 10 mil páginas" (O Estado de S.Paulo, 13/07/2007).
Já que a médica acusada está presa e só vai falar em juízo, a imprensa poderia tentar falar com as mulheres que pagaram para abortar usando um medicamento criado para animais. Ou então falar com médicos para discutir os efeitos colaterais do uso desse tipo de droga, investigar as condições da clínica e mostrar quem são as mulheres que, embora tenham dinheiro para pagar um aborto clandestino com um produto veterinário, não têm informação suficiente para evitar a gravidez com métodos anticoncepcionais aprovados.
Se as que têm dinheiro são tratadas um produto inadequado, que métodos usam as mulheres que não podem pagar uma clínica deste tipo?
"Duas exceções"
A segunda notícia revela:
"O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Raphael de Barros Monteiro Filho, autorizou a interrupção da gestação de um feto diagnosticado com uma anomalia chamada encefalocele. Monteiro Filho concedeu a autorização para a interrupção da gravidez, de 26 semanas, ao analisar o pedido da defensoria pública em favor da gestante R.R.S., de Porto Alegre". (O Estado de S.Paulo, 13/07/2007).
Outra notícia que renderia uma boa matéria – tanto do ponto de vista médico como legal. Seria interessante saber a opinião das quatro ministras do STF sobre o assunto, já que são novas na casa, que só a partir de 1999 passou a ter mulheres (hoje são quatro) entre seus 33 componentes nomeados pelo Presidente da República.
Mas, de todas as matérias, a maior e mais importante – e onde mais se sente falta da visão feminina – foi a página inteira de domingo (15/7) do Estadão sobre a Frente Parlamentar formada para proibir o aborto, inclusive em caso de estupro.
Criada em abril passado, a Frente Parlamentar Contra a Legalização do Aborto – Pelo Direito à Vida tornou-se um dos grupos mais atuantes do Congresso Nacional. Com 199 parlamentares, entre deputados e senadores, o que representa 33,5% das duas Casas, a frente prepara uma nova ofensiva: a distribuição de uma cartilha intitulada Por que somos contra o aborto, com 30 mil exemplares.
Embora entre os integrantes do Congresso Nacional 45 deputadas e 4 senadoras sejam mulheres, nenhuma delas foi ouvida. A única entrevistada foi a relatora do projeto, a ex-deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ): "No caso do estupro, defendo que a mulher possa escolher se quer ou não ter o filho. Veja que o Código Penal é de 1940, plena ditadura do Estado Novo, e mesmo lá se abriram essas duas exceções. Agora querem retroagir a antes disso".
Seria interessante saber quantas mulheres integram a frente contra a legalização do aborto e o que elas pensam do conteúdo da cartilha, que quer proibir o aborto até nos casos hoje permitidos em lei, como risco de vida para a mãe ou estupro.
Obrigação da imprensa
Deveria ser até uma questão de justiça ouvir mulheres que foram estupradas e saber como elas reagiram à declaração do deputado Leonardo Sampaio (PPS-RJ), da frente parlamentar contra o aborto, sobre o tema: "Defendo que a lei não permita o aborto no caso de estupro. A mulher vive dois pesadelos, o da violência sexual e o do aborto. Por mais duro que possa parecer, permitir que a criança nasça pode aliviar a dor pela situação da violência."
Parece que as vítimas do estupro não concordam com a opinião do deputado, de acordo com matéria da Agência Estado (15/05/2007):
"Diariamente, de 10 a 12 mulheres - de todas as idades - dão entrada no Hospital Pérola Byington, na região central de São Paulo, vítimas de violência sexual. As estimativas mostram que três ou quatro casos são de estupro. A cada semana, pelo menos três mulheres que engravidaram após serem vítimas desse tipo de violência fazem aborto legal no hospital. Cerca de 40% das que são submetidas à cirurgia têm entre 10 e 17 anos, segundo dados da instituição."
Gostaríamos também de saber o que essas mulheres – especialmente as que se submeteram à cirurgia, que foram vítimas de uma violência real e optaram pelo aborto – diriam deste trecho da cartilha Por que somos contra o aborto: "Ficou mais fácil falsificar um estupro e fazer um aborto no SUS".
Se é possível "falsificar" um estupro, a imprensa tem obrigação de discutir o assunto.
O que as três notícias têm em comum? Embora discuta um tema em que as protagonistas são mulheres, nenhuma mulher foi ouvida nas matérias.
No caso da notícia policial, isto nem seria esperado. Afinal, a médica presa por praticar abortos usando produto veterinário não estaria disposta a explicar um procedimento que praticou em nada menos do que dez mil mulheres – faturando, em 20 anos, um total superior a 9 milhões de reais (em moeda de hoje). "A polícia obteve 70 depoimentos, resultando num processo com quase 10 mil páginas" (O Estado de S.Paulo, 13/07/2007).
Já que a médica acusada está presa e só vai falar em juízo, a imprensa poderia tentar falar com as mulheres que pagaram para abortar usando um medicamento criado para animais. Ou então falar com médicos para discutir os efeitos colaterais do uso desse tipo de droga, investigar as condições da clínica e mostrar quem são as mulheres que, embora tenham dinheiro para pagar um aborto clandestino com um produto veterinário, não têm informação suficiente para evitar a gravidez com métodos anticoncepcionais aprovados.
Se as que têm dinheiro são tratadas um produto inadequado, que métodos usam as mulheres que não podem pagar uma clínica deste tipo?
"Duas exceções"
A segunda notícia revela:
"O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Raphael de Barros Monteiro Filho, autorizou a interrupção da gestação de um feto diagnosticado com uma anomalia chamada encefalocele. Monteiro Filho concedeu a autorização para a interrupção da gravidez, de 26 semanas, ao analisar o pedido da defensoria pública em favor da gestante R.R.S., de Porto Alegre". (O Estado de S.Paulo, 13/07/2007).
Outra notícia que renderia uma boa matéria – tanto do ponto de vista médico como legal. Seria interessante saber a opinião das quatro ministras do STF sobre o assunto, já que são novas na casa, que só a partir de 1999 passou a ter mulheres (hoje são quatro) entre seus 33 componentes nomeados pelo Presidente da República.
Mas, de todas as matérias, a maior e mais importante – e onde mais se sente falta da visão feminina – foi a página inteira de domingo (15/7) do Estadão sobre a Frente Parlamentar formada para proibir o aborto, inclusive em caso de estupro.
Criada em abril passado, a Frente Parlamentar Contra a Legalização do Aborto – Pelo Direito à Vida tornou-se um dos grupos mais atuantes do Congresso Nacional. Com 199 parlamentares, entre deputados e senadores, o que representa 33,5% das duas Casas, a frente prepara uma nova ofensiva: a distribuição de uma cartilha intitulada Por que somos contra o aborto, com 30 mil exemplares.
Embora entre os integrantes do Congresso Nacional 45 deputadas e 4 senadoras sejam mulheres, nenhuma delas foi ouvida. A única entrevistada foi a relatora do projeto, a ex-deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ): "No caso do estupro, defendo que a mulher possa escolher se quer ou não ter o filho. Veja que o Código Penal é de 1940, plena ditadura do Estado Novo, e mesmo lá se abriram essas duas exceções. Agora querem retroagir a antes disso".
Seria interessante saber quantas mulheres integram a frente contra a legalização do aborto e o que elas pensam do conteúdo da cartilha, que quer proibir o aborto até nos casos hoje permitidos em lei, como risco de vida para a mãe ou estupro.
Obrigação da imprensa
Deveria ser até uma questão de justiça ouvir mulheres que foram estupradas e saber como elas reagiram à declaração do deputado Leonardo Sampaio (PPS-RJ), da frente parlamentar contra o aborto, sobre o tema: "Defendo que a lei não permita o aborto no caso de estupro. A mulher vive dois pesadelos, o da violência sexual e o do aborto. Por mais duro que possa parecer, permitir que a criança nasça pode aliviar a dor pela situação da violência."
Parece que as vítimas do estupro não concordam com a opinião do deputado, de acordo com matéria da Agência Estado (15/05/2007):
"Diariamente, de 10 a 12 mulheres - de todas as idades - dão entrada no Hospital Pérola Byington, na região central de São Paulo, vítimas de violência sexual. As estimativas mostram que três ou quatro casos são de estupro. A cada semana, pelo menos três mulheres que engravidaram após serem vítimas desse tipo de violência fazem aborto legal no hospital. Cerca de 40% das que são submetidas à cirurgia têm entre 10 e 17 anos, segundo dados da instituição."
Gostaríamos também de saber o que essas mulheres – especialmente as que se submeteram à cirurgia, que foram vítimas de uma violência real e optaram pelo aborto – diriam deste trecho da cartilha Por que somos contra o aborto: "Ficou mais fácil falsificar um estupro e fazer um aborto no SUS".
Se é possível "falsificar" um estupro, a imprensa tem obrigação de discutir o assunto.
Por Ligia Martins de Almeida em 17/07/07
Observatório da Imprensa.
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