As mulheres chegam ao fim do ano sem ter o que comemorar com relação ao tratamento que receberam da mídia. Nem mesmo a divulgação dos novos Indicadores Sociais brasileiros pelo IBGE serviu para que a imprensa desse o merecido destaque às mulheres e à mudança de sua situação na sociedade brasileira.
E talvez a culpa nem seja do preconceito. Talvez a culpa seja dessa nova forma de fazer jornalismo, que não dá espaço aos repórteres para pegar um assunto – que não envolva celebridades – e irem além do texto oferecido pelas assessorias da imprensa.
Se uma celebridade tiver um problema (como no caso Daslu) ou um sonho (como o desejo da primeira-dama de adotar uma criança), a imprensa vai destacar repórteres e reservar espaço para tratar do assunto à exaustão.
Mas quando se trata de problemas reais, como os que são retratados no relatório do IBGE, envolvendo gente sem dinheiro, sem charme e sem educação – o grosso da população brasileira –, a imprensa se limita a mostrar o texto oficial. Texto que daria pauta para muita matéria boa
No relatório, divulgado dia 21/12 ficamos sabendo que:E talvez a culpa nem seja do preconceito. Talvez a culpa seja dessa nova forma de fazer jornalismo, que não dá espaço aos repórteres para pegar um assunto – que não envolva celebridades – e irem além do texto oferecido pelas assessorias da imprensa.
Se uma celebridade tiver um problema (como no caso Daslu) ou um sonho (como o desejo da primeira-dama de adotar uma criança), a imprensa vai destacar repórteres e reservar espaço para tratar do assunto à exaustão.
Mas quando se trata de problemas reais, como os que são retratados no relatório do IBGE, envolvendo gente sem dinheiro, sem charme e sem educação – o grosso da população brasileira –, a imprensa se limita a mostrar o texto oficial. Texto que daria pauta para muita matéria boa
** À medida que trabalha mais, a mulher brasileira, em especial as mais escolarizadas, gera famílias menores. A comparação dos dados de 1995 e 2005 mostra que a proporção de mulheres em idade reprodutiva com filhos caiu de 63,4% para 63%. Já a participação feminina na distribuição da população economicamente ativa subiu 3,2 pontos percentuais.
** O índice de famílias chefiadas por mulheres subiu de 20,2% para 28,5% no transcorrer da última década – e já é o dobro nas regiões metropolitanas de Salvador (42%), Recife (41,3%) e Belém (40,9%).
** Os casamentos no Brasil estão mais duradouros. De 1995 a 2005, a duração média passou de 11,1 para 12,1 anos, de acordo com as estatísticas do Registro Civil. Os mais fugazes foram verificados no Amazonas (9,7 anos), enquanto os mais longevos estão entre os gaúchos (13,9) e os catarinenses (13,5).
Para o leitor comum, que não é antropólogo nem sociólogo, o relatório – do qual selecionamos apenas uma parte mínima – acaba sendo mais um amontoado de percentuais explicados com termos difíceis. Para esse leitor, que pode eventualmente se encaixar num desses itens, fica tudo muito impessoal, já que não se chamou um especialista – a não ser os técnicos do IBGE – para tentar explicar o que essas mudanças querem dizer.
Rosto e palavra
Nesse ponto a Folha de S.Paulo se saiu melhor do que o Estado de S.Paulo. Nas duas páginas que o Estado dedicou ao assunto, vimos apenas números e mais números. A Folha, em pequena matéria, tentou ir além, falando das causas da mudança:
A emancipação feminina ajuda a explicar por que, de 1995 a 2005, foi de 20,2% para 28,5% o percentual de mulheres entre o total de chefes de família. Esse aumento aconteceu mesmo em famílias onde havia cônjuge. Em 1995, do total de mulheres chefes de família, 3,5% viviam com seus maridos. No ano passado, esse percentual aumentou para 18,6%.
A maior sensibilidade da Folha revela-se também no destaque dado ao item trabalho doméstico, que nem foi mencionado pelo Estadão. Diz a Folha:
Esse movimento a favor das mulheres, no entanto, não as livrou de ficarem sobrecarregadas com os afazeres domésticos. No ano passado, 92% das mulheres, além de trabalhar, realizavam afazeres domésticos em casa. Entre os homens, esse percentual era de 51,6%. Essa sobrecarga da dupla jornada de trabalho é verificada também quando se analisam as horas dedicadas às tarefas domésticas. Para mulheres, foram em média 21,8 horas por semana. Para homens, 9,1 horas.
Tais indicadores variam bastante de acordo com o estado. Os homens gaúchos, por exemplo, são os que mais ajudam as mulheres nos afazeres domésticos, com 71,7% declarando fazer esses serviços. O tempo que eles gastavam com esses afazeres, no entanto, não era muito: 8,6 horas, enquanto as gaúchas trabalhavam em casa, em média, 20,9 horas semanais. No outro extremo está Alagoas, onde apenas 28,4% dos homens ajudam as mulheres com os afazeres domésticos. O tempo dedicado pelos homens alagoanos a esses afazeres, no entanto, era maior do que o dos gaúchos: 10,3 horas semanais.
Agora que nós, leitoras, ficamos sabendo oficialmente que as mulheres estão trabalhando mais, estão assumindo, em maior número, a responsabilidade pela família e que, apesar de tudo, continuam nas funções domésticas sem grande apoio dos companheiros, resta esperar que a imprensa dê rosto e palavra a essas mulheres. Resta esperar que a mulher simples, que não vira notícia porque colocou botox, usa grife, foi morta ou matou o namorado, mereça um espaço maior na imprensa.